São Paulo, Apóstolo dos Gentios – Dom Eusébio Oscar Scheid
Acabamos de celebrar, no dia 25 de janeiro, a conversão de São Paulo. Foi, talvez, o fato mais importante para a história daquele tempo e, certamente, para o Cristianismo, depois do acontecimento do Cristo histórico e de sua Ressurreição gloriosa. São Paulo é o maior Apóstolo de todos os tempos, juntamente com São Pedro, o primeiro Vigário de Cristo na Igreja. Neste ano, iniciaremos a comemoração do Ano Paulino, a partir de 29 de junho próximo até à mesma data, em 2009. Por isso, permitam-me refletir um pouco sobre esse chamado “Apóstolo dos Gentios”.
A história de Paulo chegou até nós pela Tradição e, depois, pelos seus textos – as 14 Cartas – em algumas das quais ele notifica sobre si mesmo. Também encontramos os detalhes de sua missão nos Atos dos Apóstolos, escritos por São Lucas, seu companheiro nas últimas viagens apostólicas, e amigo fiel até à morte do Apóstolo, em Roma. Foi o seu primeiro grande biógrafo.
São Paulo nasceu há dois mil anos, aproximadamente, na cidade de Tarso, região da Cilícia, na Ásia Menor, um dos maiores centros culturais do Império Romano, daquela época. Ele teve uma educação aprimorada, na sua língua pátria, o hebraico. Ainda jovem, foi para Jerusalém, a fim de aprofundar os seus conhecimentos sobre a Lei, os Profetas e as Tradições do seu povo. Tornou-se aluno de Gamaliel, que era membro do Sinédrio, e um dos maiores mestres judeus de todos os tempos.
Recebeu, também, formação helênica. Conhecia bem o grego, e teve contacto com as escolas filosóficas da época, dentre elas o estoicismo e o epicureísmo. Em Atenas, havia muitos desses intelectuais, ou pseudo-intelectuais, apenas interessados em novidades. São Paulo, já convertido, teve um encontro com vários deles, no areópago da cidade. Foi um grande fracasso. Quando ele expôs o centro da pregação e do significado da vida de Cristo, não quiseram aceitar e até fizeram troça sobre o testemunho da Ressurreição do Senhor. Isso lhe causou grande sofrimento.
São Paulo era cidadão romano, em função de privilégio, concedido pelo Império, aos nascidos na cidade de Tarso, entre outras. Portanto, também era versado no latim. Ninguém melhor do que ele para ser o “Apóstolo dos Gentios”, pois representa a síntese de três culturas – judaica, helênica e latina – que perfizeram a sua formação cultural.
Os Atos dos Apóstolos apresentam-no em Jerusalém, já com idade entre 20 e 30 anos, no episódio do apedrejamento de Estêvão. Foi aos pés de Saulo que os executores depositaram as próprias capas, durante o sacrifício do Diácono, em sinal de sua aquiescência com aquela execução. São Paulo, na época ainda chamado de Saulo, seu nome de nascimento, jamais haveria de esquecer aquele fato, que lhe doeu pela vida toda.
Fariseu por convicção e formação, era inimigo dos que seguiam o “Caminho de Jesus”. Tanto que pediu licença para ir a Damasco, na distante Síria, a fim de prendê-los e condená-los. Entretanto, na estrada para Damasco, viveu uma profunda experiência mística, que o derrubou por terra como as suas convicções anteriores: “Subitamente, cercou-o uma luz resplandecente vinda do céu. Caindo por terra, ouviu uma voz, que lhe dizia: ‘Saulo, Saulo, por que me persegues?’ Saulo disse: ‘Quem és, Senhor?’ Respondeu Ele: ‘Eu sou Jesus, a quem tu persegues’. Então, trêmulo e atônito, disse ele: ‘Senhor, que queres que eu faça?’” (At 9,3-5).
Aquele momento marcou Paulo até o final da sua vida. Mostrou-lhe como Jesus se identificava com a comunidade que ele estava perseguindo e matando... Durante três dias ficou na escuridão, sem comer, nem beber. Experimentou a noite escura, da qual falam os místicos, até que recebeu a visita de Ananias. A partir daquela hora, a visão, a personalidade e a vida de Paulo mudaram por completo. Recebeu, a seguir, o Batismo (cf. At 9,8-19).
Prosseguiu seu aprofundamento na fé, através de uma viagem à Arábia, onde parece ter permanecido por mais de um ano, interiorizando o mistério de Cristo. Diferentemente dos outros Apóstolos, Paulo não O conhecera pessoalmente, nem ouvira a pregação de seus próprios lábios. Os Evangelhos ainda não haviam sido escritos. Portanto, o que lhe restava para descobrir sobre a Verdade da Fé eram os ecos daquele encontro sobrenatural, que ele deve ter meditado em oração, no silêncio do deserto da Arábia. A decisão de ser Apóstolo dos Gentios surgiu, possivelmente, naquele período, num contacto muito íntimo com o Cristo, e com os Apóstolos Kefas, Tiago e João.
O próprio Paulo testemunha: “Eu sou o menor dos apóstolos, e não sou digno de ser chamado apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus. Mas, pela graça de Deus sou o que sou, e a graça que Ele me deu não tem sido inútil” (1Cor 15,9-10a). “Asseguro-vos, irmãos, que o Evangelho pregado por mim não tem nada de humano. Não o recebi nem o aprendi de homem algum, mas mediante uma revelação de Jesus Cristo” (Gl 1,11-12).
Dentre os temas da doutrina de São Paulo, destacamos como ponto central, a cruz do Senhor, que ele anuncia como superior a qualquer sabedoria humana: “Os judeus pedem milagres, os gregos reclamam sabedoria; mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos” (1Cor 1,22-23).
Outro ponto fundamental é o poder do sangue de Cristo. Ele, que fora responsável pelo derramamento de sangue inocente, reconhece o valor infinito do sangue de Cristo, para nos salvar: “Pelo seu sangue, temos a Redenção, a remissão dos pecados” (Ef 1,7); “Por intermédio daquele que, ao preço do próprio sangue na cruz, restabeleceu a paz a tudo quanto existe na terra e nos céus” (Cl 1,20).
São Paulo também insiste sobre a vida nova. Não bastam a Lei e os Profetas. Agora tudo se fez novo, com o acontecimento histórico de Cristo, que é o novo caminho. Portanto, não se vive mais das tradições antigas. A vida é o próprio Cristo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20).
Ainda se pode mencionar o poder da graça, que vem de Cristo, e que Ele comunica a toda a humanidade. Aqueles que se abrem a esse dom recebem a força divina para viver os mandamentos e seguir o caminho de Cristo Jesus. Imerecida graça, mas tão forte que nos faz superar quaisquer obstáculos que a vida presente nos possa apresentar.
Finalmente, aprendemos com São Paulo sobre a importância das comunidades. Suas Cartas sempre incluem admoestações e ensinamentos para as primeiras comunidades, que ele – em grande parte - fundou e buscava estruturar. São experiências valiosas para nós, até os dias de hoje. O Livro dos Atos também nos revela a solicitude do Apóstolo pelo grupo dos Doze, especialmente Kefas (nome grego de Pedro)(cf. At 15,4-21). Ambos tiveram seu sangue derramado em Roma, Pedro, crucificado e Paulo, decapitado.
São Paulo teve uma vida de muito sacrifício. Foi algumas vezes flagelado e apedrejado, sofreu um longo naufrágio. Fez quatro grandes viagens ou, pelo menos três, segundo sabemos, sendo a última para Roma, onde esteve no cárcere, durante diversos anos. Posteriormente, sofreu a decapitação, nos arredores daquela cidade. No local, conhecido como Tre Fontane (“Três Fontes”), ergue-se hoje uma igreja, recordando o tríplice impacto que sua cabeça teria sofrido, ao ser cruelmente separada do corpo.
Nas ocasiões em que visitei aquele local, assim como quando leio as Cartas de Paulo, sempre peço a Deus um pouco daquela mesma luz que Ele projetou sobre esse grande Apóstolo, para que eu possa compreender os seus ensinamentos, seguir o seu exemplo e ser capaz de testemunhar Cristo pelo meu ministério e pela pobreza de minha pessoa e de minha vida.
*Cardeal Eusébio Oscar Scheid, 75, arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
A história de Paulo chegou até nós pela Tradição e, depois, pelos seus textos – as 14 Cartas – em algumas das quais ele notifica sobre si mesmo. Também encontramos os detalhes de sua missão nos Atos dos Apóstolos, escritos por São Lucas, seu companheiro nas últimas viagens apostólicas, e amigo fiel até à morte do Apóstolo, em Roma. Foi o seu primeiro grande biógrafo.
São Paulo nasceu há dois mil anos, aproximadamente, na cidade de Tarso, região da Cilícia, na Ásia Menor, um dos maiores centros culturais do Império Romano, daquela época. Ele teve uma educação aprimorada, na sua língua pátria, o hebraico. Ainda jovem, foi para Jerusalém, a fim de aprofundar os seus conhecimentos sobre a Lei, os Profetas e as Tradições do seu povo. Tornou-se aluno de Gamaliel, que era membro do Sinédrio, e um dos maiores mestres judeus de todos os tempos.
Recebeu, também, formação helênica. Conhecia bem o grego, e teve contacto com as escolas filosóficas da época, dentre elas o estoicismo e o epicureísmo. Em Atenas, havia muitos desses intelectuais, ou pseudo-intelectuais, apenas interessados em novidades. São Paulo, já convertido, teve um encontro com vários deles, no areópago da cidade. Foi um grande fracasso. Quando ele expôs o centro da pregação e do significado da vida de Cristo, não quiseram aceitar e até fizeram troça sobre o testemunho da Ressurreição do Senhor. Isso lhe causou grande sofrimento.
São Paulo era cidadão romano, em função de privilégio, concedido pelo Império, aos nascidos na cidade de Tarso, entre outras. Portanto, também era versado no latim. Ninguém melhor do que ele para ser o “Apóstolo dos Gentios”, pois representa a síntese de três culturas – judaica, helênica e latina – que perfizeram a sua formação cultural.
Os Atos dos Apóstolos apresentam-no em Jerusalém, já com idade entre 20 e 30 anos, no episódio do apedrejamento de Estêvão. Foi aos pés de Saulo que os executores depositaram as próprias capas, durante o sacrifício do Diácono, em sinal de sua aquiescência com aquela execução. São Paulo, na época ainda chamado de Saulo, seu nome de nascimento, jamais haveria de esquecer aquele fato, que lhe doeu pela vida toda.
Fariseu por convicção e formação, era inimigo dos que seguiam o “Caminho de Jesus”. Tanto que pediu licença para ir a Damasco, na distante Síria, a fim de prendê-los e condená-los. Entretanto, na estrada para Damasco, viveu uma profunda experiência mística, que o derrubou por terra como as suas convicções anteriores: “Subitamente, cercou-o uma luz resplandecente vinda do céu. Caindo por terra, ouviu uma voz, que lhe dizia: ‘Saulo, Saulo, por que me persegues?’ Saulo disse: ‘Quem és, Senhor?’ Respondeu Ele: ‘Eu sou Jesus, a quem tu persegues’. Então, trêmulo e atônito, disse ele: ‘Senhor, que queres que eu faça?’” (At 9,3-5).
Aquele momento marcou Paulo até o final da sua vida. Mostrou-lhe como Jesus se identificava com a comunidade que ele estava perseguindo e matando... Durante três dias ficou na escuridão, sem comer, nem beber. Experimentou a noite escura, da qual falam os místicos, até que recebeu a visita de Ananias. A partir daquela hora, a visão, a personalidade e a vida de Paulo mudaram por completo. Recebeu, a seguir, o Batismo (cf. At 9,8-19).
Prosseguiu seu aprofundamento na fé, através de uma viagem à Arábia, onde parece ter permanecido por mais de um ano, interiorizando o mistério de Cristo. Diferentemente dos outros Apóstolos, Paulo não O conhecera pessoalmente, nem ouvira a pregação de seus próprios lábios. Os Evangelhos ainda não haviam sido escritos. Portanto, o que lhe restava para descobrir sobre a Verdade da Fé eram os ecos daquele encontro sobrenatural, que ele deve ter meditado em oração, no silêncio do deserto da Arábia. A decisão de ser Apóstolo dos Gentios surgiu, possivelmente, naquele período, num contacto muito íntimo com o Cristo, e com os Apóstolos Kefas, Tiago e João.
O próprio Paulo testemunha: “Eu sou o menor dos apóstolos, e não sou digno de ser chamado apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus. Mas, pela graça de Deus sou o que sou, e a graça que Ele me deu não tem sido inútil” (1Cor 15,9-10a). “Asseguro-vos, irmãos, que o Evangelho pregado por mim não tem nada de humano. Não o recebi nem o aprendi de homem algum, mas mediante uma revelação de Jesus Cristo” (Gl 1,11-12).
Dentre os temas da doutrina de São Paulo, destacamos como ponto central, a cruz do Senhor, que ele anuncia como superior a qualquer sabedoria humana: “Os judeus pedem milagres, os gregos reclamam sabedoria; mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos” (1Cor 1,22-23).
Outro ponto fundamental é o poder do sangue de Cristo. Ele, que fora responsável pelo derramamento de sangue inocente, reconhece o valor infinito do sangue de Cristo, para nos salvar: “Pelo seu sangue, temos a Redenção, a remissão dos pecados” (Ef 1,7); “Por intermédio daquele que, ao preço do próprio sangue na cruz, restabeleceu a paz a tudo quanto existe na terra e nos céus” (Cl 1,20).
São Paulo também insiste sobre a vida nova. Não bastam a Lei e os Profetas. Agora tudo se fez novo, com o acontecimento histórico de Cristo, que é o novo caminho. Portanto, não se vive mais das tradições antigas. A vida é o próprio Cristo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20).
Ainda se pode mencionar o poder da graça, que vem de Cristo, e que Ele comunica a toda a humanidade. Aqueles que se abrem a esse dom recebem a força divina para viver os mandamentos e seguir o caminho de Cristo Jesus. Imerecida graça, mas tão forte que nos faz superar quaisquer obstáculos que a vida presente nos possa apresentar.
Finalmente, aprendemos com São Paulo sobre a importância das comunidades. Suas Cartas sempre incluem admoestações e ensinamentos para as primeiras comunidades, que ele – em grande parte - fundou e buscava estruturar. São experiências valiosas para nós, até os dias de hoje. O Livro dos Atos também nos revela a solicitude do Apóstolo pelo grupo dos Doze, especialmente Kefas (nome grego de Pedro)(cf. At 15,4-21). Ambos tiveram seu sangue derramado em Roma, Pedro, crucificado e Paulo, decapitado.
São Paulo teve uma vida de muito sacrifício. Foi algumas vezes flagelado e apedrejado, sofreu um longo naufrágio. Fez quatro grandes viagens ou, pelo menos três, segundo sabemos, sendo a última para Roma, onde esteve no cárcere, durante diversos anos. Posteriormente, sofreu a decapitação, nos arredores daquela cidade. No local, conhecido como Tre Fontane (“Três Fontes”), ergue-se hoje uma igreja, recordando o tríplice impacto que sua cabeça teria sofrido, ao ser cruelmente separada do corpo.
Nas ocasiões em que visitei aquele local, assim como quando leio as Cartas de Paulo, sempre peço a Deus um pouco daquela mesma luz que Ele projetou sobre esse grande Apóstolo, para que eu possa compreender os seus ensinamentos, seguir o seu exemplo e ser capaz de testemunhar Cristo pelo meu ministério e pela pobreza de minha pessoa e de minha vida.
*Cardeal Eusébio Oscar Scheid, 75, arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
Fonte: CNBB